A Minha Primeira Maratona - Filipa Ferro

A minha primeira maratona. Ainda não estou em mim. Eu fiz mesmo uma maratona? O meu novo look diz tudo! Há quem mude de penteados, mas eu cá sou mais original e mudo de andar… E ao que parece ganhei-o depois da maratona. É uma espécie de brinde que o corpo me dá por correr tanto quilómetro… Tenho um corpo mesmo muito generoso, podia ser pior! Isto de começar a escrever sobre a minha primeira maratona faz-me relembrar porque é que comecei a correr. Ora, eu odiava correr. Achava a coisa mais disparatada que alguém podia fazer… Até que uma amiga minha insistiu vezes sem conta para eu experimentar. “Oh Flávia, como é que achas que vou correr, eu que fumo que nem uma chaminé?”- perguntava-lhe completamente incrédula nas minhas capacidades de corredora. Até que um dia fui correr com ela e aprendi a respirar, a correr com calma… E dou por mim a ir sozinha. Inclusive em Águeda, quando corria, até já me achava uma grande atleta por correr 2 km seguidos em descidas. 
Entretanto, comecei a ver que não estava propriamente elegante, o meu corpo, todo ele era um escândalo, qual watergate qual carapuça, eu era mais gordura gate! Um saco de batatas andante. Resolvi inscrever-me num ginásio. Depois, lá descobri um livro muito interessante e fiz uma dieta espectacular na qual perdi mais de 10 kg… Nessa mesma altura, já tinha as próprias instrutoras do ginásio a dizerem-me que aquilo não era para mim, que necessitava de algo mais intenso. E foi assim que descobri o TFM (treinos físicos militares). Mal eu sabia onde isso me ia levar. Começa aqui a minha odisseia na corrida. No TFM, os instrutores, para além de nos darem umas aulas puxadotas, também nos incentivavam a participar em corridas. Dei por mim a inscrever-me na mini-maratona da ponte 25 de abril. Lembro-me de na altura ter pensado que o que gostava mesmo era de fazer a meia-maratona, isso é que seria de nível! Claro que com os treinos TFM, um pouco de corrida aqui e ali… Dei por mim inscrita numa meia-maratona, a da ponte Vasco da Gama. Confesso que não tinha ponta de treinos de corrida. No TFM treina-se corrida, mas pouco, comparativamente ao necessário para provas. Apenas aos fins-de-semana é que corria um pouco mais, para além de naquela altura ainda fumar. Adorei a prova da meia-maratona e fiquei com o bichinho de querer fazer mais. Para além disso foi uma prova fulcral porque me fez pensar que tinha mesmo deixar de fumar. Não fazia sentido nenhum estar na fila para os autocarros e fumar um cigarro antes de ir para uma prova de grande exigência física… Com o estímulo da prova e mais uns comprimidos champix à mistura lá consegui deixar de fumar… O mítico 9 de Outubro! O tempo foi passando, os treinos TFM intercalados com corrida, até que conheço o José Carlos Melo. Outro mundo novo da corrida. Foi com ele que conheci os Run4Fun, e foi ele que transformou o “monstro”! No fundo o José Carlos Melo é o meu “padrinho” das corridas. Sempre a desafiar para novas corridas, para provas diferentes, até que, e aqui é que começa a verdadeira odisseia da maratona, num dos (tantos) dias de greve do Metro, resolvemos ir do Rato até ao Lumiar a pé. Conversa puxa conversa e inevitavelmente falamos de corrida. Ora, eu já estou inscrita para a maratona de Sevilha há imenso tempo (que ocorrerá em 23 de Fevereiro), e estivemos a falar de que necessitava de vários treinos longos para ver se aproveitava a prova como deve ser, ao que perguntei “mas tipo o quê?”. Ao investigar as datas de provas ainda me tinha lembrado de uns “trailzinhos” de 40/50 km, ao que o Zé Carlos abanava a cabeça, e até que me disse, “É um pouco arriscado, mas posso sugerir-te a maratona do Porto!”. Na altura fiquei completamente apreensiva, “não estou preparada, nunca corri mais do que os 21 km de meias maratonas, quanto mais agora uma maratona completa”. Dei o assunto como arrumado e não pensei mais nisso… No dia seguinte fazia exatamente um ano em que o tabaco tinha deixado de fazer parte do meu dia a dia, o mítico 9 de Outubro! Pensei numa prenda que pudesse dar a mim própria pelo meu feito. E vai daí que magiquei, “Giro, mas mesmo giro, era festejares isto com uma coisita pomposa”. Pensei, repensei, e veio-me a história da maratona à cabeça, “É mesmo isso!”. Tratei de me inscrever, da logística, e fiquei toda contente. Mas entretanto, o meu corpo pregou-me uma partida… Não basta ter o Morton meio adormecido, que o estupor passado uns dias (devia ser da emoção) deu-me uma magnífica dor atrás do joelho, que se alojou dias e dias, e semanas… Mas confesso que após a inscrição isso nem me incomodou muito, porque a verdade seja dita, não são só os velhinhos têm a idade condor, os desportistas em vez de terem a idade é o estado. É raro o dia que não se tenha uma ligeira impressão aqui, outra ali (é o “condor” aqui, “condor” ali)… Felizmente no fim-de-semana após a inscrição o Ruben Costa sugeriu-me um treino longo de 32 km. E lá fizemos! Foi magnífico sentir que conseguia correr 32 km, e isso deu-me força para a maratona. “Eu vou conseguir!”. O meu único problema era a estupida da dor atrás do joelho que não passava nem com nada. Era transact, ficava um bocado melhor e desesperava-me porque todos os dias à noite, optimista, pensava que no dia seguinte estaria pronta para outra mas não, a sacana da dor queria mesmo ser de estimação! No fim-de-semana da véspera fui a Almeirim e o estupor não se manifestou muito, por isso pensei que se ia aguentar à bronca dos 42 km, e aguentou! Vamos rumar ao Porto! Vamos desfrutar de uma prova magnífica! 
     Confesso que não fazia ideia de como funcionava. Nem sequer tinha a noção de que os autocarros em que ia eram da organização. Logo de manhã no sábado de véspera estava com aquele nó no estômago, do como será. Deixem-me esfregar os olhos e acordar e ver mesmo que eu vou fazer uma maratona. Era interessante ver a quantidade de pessoas que se encontravam para esta aventura. Era giro observar as conversas, a troca de ideias sobre provas, quais as que devem ser feitas, os conselhos… Mal chegamos ao Porto fomos directos à Alfandega levantar os dorsais e aproveitar o almoço fornecido pela organização. Parecia o caos! Paralelamente à maratona estava também presente uma conferência sobre tuberculose, e nesse sentido era um amontoado de pessoas que às tantas já nem se sabia quem era de o quê. Fiquei a admirar a Aurora Cunha por vê-la ali a apoiar todos. Para mim passou a ser uma referência nacional. 
 (Foto roubada indecentemente ao José Carlos Melo)

A fila para o almoço parecia uma cantina universitária em hora de ponta. Estivemos não sei quanto tempo à espera para ir para a “pasta party”. Pelo menos foi interessante saber que na Alfandega havia uma parte de baixo onde deu para montarem uma cantina gigante na qual serviam massa com carne (vulgo “Bolonhesa”), pão, bebida, gelatina e fruta. Não sei se foi da fome, do convívio ou do quê, mas soube tudo bem! Após o almoço rumámos ao hotel, escusado será dizer que os autocarros se tinham atrasado e chovia imenso. Na Boavista, refugiamo-nos na casa da Musica. Ficamos imenso tempo à espera que o céu fosse mais simpático e não enviasse tanta água. Mas não ouviu as nossas preces e tivemos de chegar ao hotel completamente encharcados. O objetivo era organizar tudo e prontificarmo-nos para ir jantar cedo. Ainda demos umas voltas pelo centro comercial do lado e fomos jantar a um restaurante supostamente italiano.   Uma diferença entre o norte e o sul encontra-se no atendimento em restaurantes. Acredito que até pode ter sido um caso pontual, mas senti que era geral. Dizem o que têm a dizer. Parece que não há aquela espécie de código de conduta do tipo “o cliente tem sempre razão”. Neste restaurante específico deu ideia que não estavam habituados a tantas pessoas e ainda por cima ao mesmo tempo. Já nos ríamos com o que a senhora dizia. “Oh menino, eu tenho de trabalhar!”. A pior parte é que se esqueceram do meu jantar! A minha sorte foram as queridas Mónica e Marta que me deixaram deliciar com parte da pizza de cada uma! Quando estou em vésperas de provas tenho sempre pesadelos com as mesmas, e são quase sempre os mesmos. Sonho que nunca vou chegar a horas às provas e que a malta que está ao meu lado está mais do que tranquila em chegar mais de meia hora atrasado. Mas não cheguei atrasada. De manhã, tudo preparado a tomar o pequeno almoço. O nervosismo para a prova pairava no ar. Havia quem fosse fazer apenas os 16 km e dar apoio aos maratonistas e futuros maratonistas, o que tornava tudo ainda mais especial. Foi a minha estreia em prova como Run4Fun. Levei uma t’shirt carinhosamente emprestada pela Sandra Simões. Sentia uma responsabilidade em mim. “Vais acabar isto, mas acima de tudo, divertir-te”. 
(Foto roubada indecentemente ao José Carlos Melo)

 Procurei andar sempre a par com a Mónica, com a Marta e com o Tiago. A prova começou com uma enorme subida até à Boavista, e depois entramos pela Avenida da Boavista. Confesso que há anos que não ia ao Porto. Lembrava-me de algumas coisas, e o interessante aqui é a diferença entre grande e pequeno que ganha relevância após imensos anos. Lembro-me em pequena de achar o início da Avenida da Boavista gigante e passei por lá e vi que é como qualquer avenida normalíssima. A nostalgia enquanto a correr apodera-se de mim. Fico maravilhada a olhar para todos os lados. O mar ao fim da avenida e eu a alcançar. O Castelo do Queijo mesmo ali à frente. Rumar até ao Porto de Leixões. Zonas características e outras mais modernas. O cheiro a maresia a ser confundido com o próprio cheiro da transpiração. Do nosso lado direito sentimos os barcos a tentarem-nos desejar boa sorte com pequenos ressoares. Voltamos ao Castelo do Queijo. As ondas pareciam comunicar connosco. O mar aparentemente bravo quase nos tenta tocar com os seus salpicos. Entramos na zona da Foz. Não me lembrava que fosse tão extenso. Porto de um lado e Gaia do outro. Ali a correr no meio a par com o rio Douro sinto-me como se estivesse a ser abraçada pela cidade. Olhava vezes sem conta para cima, sentir o Porto a acolher-me na sua majestosidade. Passamos pela zona da Ribeira e somos confrontados com uma feirinha, de um lado os cafés e do outro umas bancadas com bugigangas. A simpatia emanada pelas pessoas ainda nos torna mais fortes. Era giro ver os Espanhóis e Franceses a apoiarem os atletas com as bandeiras e todos pintados. Magnífico. Adorei passar na ponte D. Luís. Sentir o barulho de cima e a agitação da zona. O comercio que por ali estava e as pessoas que iam falando connosco. Haviam atletas que já tinham dado a volta e era ouvir malta a chamar pelo nome de cada um. Sim, outra coisa espectacular que a organização fez foi colocar o primeiro nome de cada atleta no dorsal. Aparentemente parece funcionar o facto de chamarem pelo nosso nome. Sentimo-nos mais fortes. Atravessando Gaia e dando a volta… Começo a sentir o efeito do muro. Senti que aí há uma grande luta interior. 
Ouço a minha vozinha interior a dizer que está quase. A voz mauzona começa a dizer que não vou aguentar. A vozinha pequena levanta-se e diz à grande que se vá catar. A mauzona tenta a todo o custo levantar-se e impor-se. “Já só faltam 7”. Começo a ver os senhores da cruz vermelha de um lado para o outro. A voz mauzona pergunta porque é que não aproveito a boleia. A voz pequenina riposta com “Daqui a meia dúzia de minutos és uma maratonista, e também, faz de conta que são os últimos 5 da meia que nesses também abrandas”. Aos 40 km vejo o Zé Carlos, que vem ter comigo e acompanha-me carinhosamente até ao final. Lembro-me perfeitamente de falar comigo e eu sentir-me quase em modo piloto automático. Quase só a saber responder sim e não, como se estivesse no estado em que “o tico foi de férias e o teco está em coma”. Vejo as meninas do Run4Fun a dar força, mas eu sinto-me sem esta. Só quero chegar à meta. São só meia dúzia de metros. Vejo a Marta que me tenta também animar. “A Mónica e o Tiago também já cá estão! Ora vamos lá!” Tentei acelerar um pouco. Confesso que a ver o relógio com o tempo me deu quase vontade de chorar. Consegui. Consegui correr 42 km! Ainda meia atarantada! Fotos e flashes e alegria por todos os cantos! Por instantes passa o filme todo do maravilhoso fim-de-semana. Sinto uma enorme vontade de agradecer a todos. Sentir quase todas as pessoas com quem lido. Amigos, conhecidos, malta da corrida, malta sem ser de corrida, que directa ou indirectamente, me ajudaram. Sinto que estavam ali comigo a ajudar-me incondicionalmente. Um beijinho para todos!
 (Já não é uma foto roubada indecentemente ao José Carlos Melo)

Comentários

  1. Muitos parabéns, maratonista! Cuidado que a corrida pode ser tão ou mais viciante que o tabaco. Mas sempre faz menos mal... :).

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  2. Excelente Filipa, muitos parabéns pela tenacidade com que persegues os objectivos.

    Agora ... Sevilha, e vai ser de arromba (hehehe). Queres 4h?

    Gostei muito de ler o teu texto, obrigado.

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  3. Parabéns Filipa. Grande testemunho e evolução fantástica.

    É maravilhoso o que cada um de nós consegue alcançar em tão pouco tempo, com vontade e confiança.

    Gostei muito de ler a tua jornada. Continua.

    AC

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  4. Filipa,

    Parabéns pela tua 1ª maratona.
    Belíssimo relato. Escreves muito bem.

    Quanto à dor tem um lado muito bom. Nunca estamos sozinhos, ela vai connosco para todo o lado. É uma grande companhia!! ehehehhehhehh

    E em Sevilha vai ser muito engraçado.

    Runabraços

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  5. Muitos Parabéns Filipa!!
    Mulher cheia de Garra!
    Grande post! Emotivo, bem à tua medida.
    É um enorme prazer ter-te conhecido e acompanhado as Tua evolução.
    É surpreendente a abordagem que fizeste ao treino para esta estreia na Maratona. Só para muito poucos.
    Continua! Sevilha já está ansiosamente a aguardar a tua chegada. Bjs

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  6. Parabéns Filipa!! És uma mulher de armas! E escreves muito bem, fiquei inspirada! Um grande beijinho!

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  7. Parabéns Filipa, grande aventura.

    Só podes mesmo ficar viciada em tudo o que fazes. És uma esponja. Absorves todos os pormenores e isso vai-te custar muitos kms e maratonas nas pernas. hahah

    Muito bom relato, limpo, direto e sempre a cativar a leitura do proximo paragrafo.

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  8. Muitos parabéns. Agora já só falta terminares a 2ºmaratona para te tornares MARATONISTA.

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